Artigo escrito por:
ISABEL CRISTINA DA SILVA FRADE
Professora da FAE/UFMG e pesquisadora do CEALE/FAE/UFMG.
Retirado da Revista Presença Pedagógica - v.9 - n 50 - mar/abr 2003.
" Nos últimos anos descobrimos novas facetas do fenômeno da alfabetização que
alteraram nossas formas de ver este fenômeno que é social, político, pedagó-
gico, psicológico, antropológico, histórico e lingüístico. Para cada dimensão dessas face-
tas que descobrimos, tentamos modificar práticas pedagógicas anteriores. Queremos for-
mar alunos que saibam ler e escrever, que se utilizem desse conhecimento de forma cons-
trutiva, que experimentem diferentes usos significativos e que participem do universo da
cultura escrita, incorporando novas práticas envolvidas no letramento.
O termo letramento é considerado por Magda Soares (2000, p.47) como “estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam
a escrita”. No mesmo texto, a autora define alfabetização como “ação de ensinar/apren-
der a ler e escrever”. Vale destacar que o conceito de letramento comporta o conceito de
alfabetização, mas que a alfabetização supõe ações específicas para ensinar a ler e escre-
ver.
Assim, o conceito de letramento abre um horizonte de possibilidades pedagógicas:
ajuda a compreender os contextos sociais e sua relação com as práticas escolares, possi-
bilita investigar a relação entre práticas não escolares e o aprendizado da leitura/escrita
e faz a escola repensar seu papel como agência de letramento. Se este é um fenômeno
social, devemos trazer para o espaço escolar os usos sociais da escrita e considerar que a
vivência e participação em atos de letramento pode alterar as condições de alfabetização.
A apropriação pedagógica da idéia de letramento, associada à ampliação da complexidade, em vez de ajudar a compreender problemas que são permanentes, tem indiretamente obscurecido as preocupações dos professores com um dos seus componentes: a alfabetização. Sendo a escola uma agência de letramento como as outras, cabe perguntar: se as práticas sociais de leitura e escrita permeiam todos os espaços sociais, é também nestes espaços que se sistematiza a alfabetização?
Vivemos nas últimas décadas a era da inovação. No entanto, se considerarmos uma perspectiva histórica, não existem também permanências e problemas especialmente pedagógicos que persistem, ou concepções e práticas que devemos respeitar? Empreendemos uma luta apaixonada contra o direcionamento das aprendizagens incluídos nesse direcionamento os métodos – contra a “decodificação”, contra a “instrução” e, conseqüentemente, contra a memória e as práticas de professores alfabetizadores.
Diferentemente das divergências anteriores em torno das inovações, em que um método se sobre-punha ao outro, estabelecemos um confronto com a própria idéia de método. Cabe ressaltar que sabemos que não são apenas os métodos que definem o aprendizado e que não é uma única estratégia metodológica que vale para todos. Mas o não enfrentamento da questão metodológica possibilita que venham à tona movimentos tais como a volta do fônico na guerra contra o construtivismo, evidenciada no título da reportagem “Guerra das letras” publicada na revista Educação. No mesmo artigo, uma escola pública de São Paulo relata aplicar o método fônico, com sucesso, mas em regime de “liberdade vigiada”. Dessa forma, saímos da querela dos métodos analíticos versus os sintéticos para uma polarização em torno do método versus o processo de aquisição. Assim, deveríamos nos preocupar não apenas em verificar como os professores se apropriam ou deixam de se apropriar de conhecimentos oficiais e científicos, mas também em tentar compreender determinados ordenamentos metodológicos, a partir do ofício e saberes do alfabetizador. Mesmo não aparecendo nas tematizações atuais e nas pesquisas sobre alfabetização, os dilemas
metodológicos dos professores permanecem nas concretizações que esses têm de realizar em seu cotidiano. Deve-se ressaltar também que alguns conhecimentos construídos dentro da sala de aula e dentro do campo pedagógico precisam ser retomados em nossos discursos, pesquisas e práticas. Nos últimos anos, os estudos relativos às concepções de alfabetização, sobretudo aqueles ligados à função social da leitura e escrita e ao processo psicológico de construção deste conhecimento tornaram-se os baluartes da formação de professores e da divulgação de inovações em alfabetização. No entanto, esse processo fez com que uma das facetas mais importantes da alfabetização – a decodificação– tenha sido esquecida, tanto nas pesquisas quanto nos discursos autorizados de alfabetizadores. Cabe perguntar: os egressos destescursos de formação têm conseguido alfabetizar? As soluções para nossos problemas metodológicos são de natureza complexa e a discussão da relação entre os métodos e a aprendizagem precisa entrar novamente na pauta das pesquisas e nos currículos de formação de professores. Os argumentos que promovem a legitimação de certas concepções pedagógicas sobre alfabetização em várias instituições, como o Ministério da Educação, Universidades, Centros Universitários e associações de professores por vezes são coincidentes, por vezes contraditórios a outros saberes ou necessidades pedagógicas presentes no campo da Educação e da
alfabetização. Isso porque, nos últimos anos, temos realizado pesquisas para verificar como os professores recebem as inovações pedagógicas sobre alfabetização, como se essas inovações fossem boas em si mesmas, e não temos prazo para avaliar os resultados delas. Assim, classificamos a recusa de determinados professores em assimilá-las como “resistência”, no sentido negativo que esta palavra traz. Mas antes devemos perguntar: o que são métodos de alfabetização e onde eles estão materializados? Essa pergunta é necessária porque tenho como hipótese que o problema da visibilidade ou invisibilidade metodológica pode explicar posturas e práticas de professores e mesmo um certo desamparo com relação ao “como fazer”....
E aí, o que você, educador, professor, pedagogo ou até mesmo um amante da educação acha deste artigo?